Mísseis alemães na Segunda Guerra O desenvolvimento de avançados vetores que poderiam ter mudado os rumos do conflito. |
No limiar da Segunda Guerra Mundial, a arte de lançar pequenos foguetes raramente era vista como ciência. Tudo mudou quando ficou claro que os foguetes tinham um grande potencial como armas de longo alcance e em nenhum outro lugar este potencial foi melhor compreendido do que na Alemanha, onde se produziu uma série de vetores com uma tecnologia até então desconhecida, que apesar de sua pouca efetividade operacional serviram de base para os mísseis atuais. Muitos dos cientistas e engenheiros que trabalharam no programa de foguetes na Alemanha foram levados para os Estados Unidos e para a União Soviética depois da guerra, para colaborarem com seus respectivos programas espaciais e de mísseis, cujos conhecimentos foram fundamentais para a conquista do espaço e concebendo uma tecnologia que viria a ser o esteio da civilização moderna. Em maio de 1937, o Departamento de Artilharia do exército em colaboração com a Força Aérea (Luftwaffe), estabeleceram um laboratório de pesquisas na área de foguetes na localidade de Peenemünde na costa do Mar Báltico, sob a liderança científica de um carismático e visionário engenheiro chamado Wernher von Braun. Nos oito anos seguintes ele e sua equipe desenvolveriam uma série de foguetes para os campos de batalha, utilizados pelos alemães ao longo de toda a Segunda Guerra. As mais famosas dessas armas secretas, e de longe as mais efetivas, foram os mísseis superfície-superfície utilizados para bombardear a Inglaterra e outros objetivos importantes no continente europeu, chamadas de as "Armas da Vingança", as V-1 e V-2. O primeiro míssil de cruzeiro operacional, o Vergeltungswaffe 1 (vingança ou retaliação em alemão) ou simplesmente V-1, consistia de uma bomba guiada com comprimento de 8,32m e asas com envergadura de 5,30m, impulsionada por um pequeno motor a jato que proporcionava um velocidade de 800 km/h e alcance de 240 km. Lançada a partir de uma catapulta a vapor, carregando uma ogiva de 830 kg de amatol, e guiada para um alvo pré-programado usando um sistema de orientação baseado em uma bússola giroscópica/magnética. Este sistema não proporcionava muita precisão à arma, mas como as V-1 eram usadas contra grandes cidades, qualquer acerto dentro de um raio de 15 km era considerado aceitável. Na "Operação Boxroom", em 15 de junho de 1944, cerca de 244 V-1 foram lançadas contra a Inglaterra, sendo que 144 cruzaram a costa inglesa, porém 34 delas foram derrubadas pela artilharia antiaérea ou pelos caças da RAF. Patrono dos mísseis balísticos de longo alcance (ICBM) atuais, o V-2 foi desenvolvido e testado secretamente em Peenemünde. De forma tubular com comprimento de 14m, diâmetro de 1,68m, possuía quatro aletas na cauda e era impulsionado por um motor de combustível líquido que permitia atingir uma velocidade de 5.580 km/h, com alcance de 360 km e uma ogiva de 975 kg de amatol. Lançado verticalmente, seu motor o impulsionava até a altitude de 85 km (já na ionosfera, às margens do espaço) onde voava até aproximadamente a 4 km de seu objetivo. Supersônico, impossível de ser interceptado pelos caças da época, não podia ser ouvido antes que literalmente caísse do céu sobre seus alvos, causando terror e destruição sem que suas vítimas soubessem o que as havia atingido. Em termos de velocidade e altitude de voo era um vetor extremamente sofisticado. Calcula-se que cerca de 1.120 V-2 foram lançados contra a Inglaterra, com 1.054 tendo atingido seu território matando mais de 2.500 pessoas e ferindo mais de 6.500. Somente o avanço Aliado sobre o norte da Europa pôs fim a campanha de lançamentos dessas armas mortais. Durante a guerra os combates aéreos estavam ficando cada vez mais perigosos para os pilotos, devido à proximidade das aeronaves para poderem usar suas metralhadoras. A alternativa dos pesquisadores alemães foi o desenvolvimento de pequenos foguetes que poderiam ser direcionados para seus alvos via cabos ou sinais de rádio a partir de uma aeronave que estaria fora do alcance do inimigo. A empresa Henschel apresentou em 1943 o que seria o primeiro míssil ar-ar do mundo, o Hs-298, com uma fuselagem de seção oval de 2m de comprimento, um par de asas e ailerons a meia altura e mais duas asas na cauda com derivas fixas nas pontas. Seu sistema de orientação era feito na linha de visada da aeronave lançadora, com o operador usando um joystick para atuar nas superfícies de controle do míssil através de sinais de rádio. Seu alcance era de 2,5 km e ao ser disparado contra uma formação de bombardeiros detonava sua ogiva de 25 kg por espoleta de aproximação, atingindo os aviões que estivessem mais perto. Porém o míssil ar-ar mais sofisticado da Segunda Guerra foi o Ruhrstahl X-4, não somente por ter estabelecido os conceitos práticos para os futuros AAM, como também por sua comprovada confiabilidade e imunidade a contramedidas. Desenvolvido pela equipe do Dr.Max Kramer em 1943, possuía a fuselagem cilíndrica com 2m de comprimento, com dois conjuntos de quatro aletas montadas a meia altura e na cauda, sendo que as primeiras tinham um ângulo de 45° e eram enflexadas para trás, com baixo arrasto aerodinâmico e possibilitando o atingimento de velocidades supersônicas, impulsionado por seu motor BMW 548. Seu alcance era de 3,5 km e o piloto ao avistar o alvo mantinha o míssil alinhado com ele, utilizando-se de um pequeno joystick, que através de um sistema de comando transmissor/receptor por cabo (que ao contrário do sinal de rádio não podia sofrer interferências) manobrava o X-4 até que sua espoleta acústica de proximidade detona-se sua ogiva de 20 kg. Naqueles dias atingir objetivos no solo com bombas de queda livre não era nada fácil, já que os bombardeiros tinham que enfrentar a oposição da eficiente artilharia antiaérea e dos velozes caças inimigos. Mais uma vez o Dr.Kramer criaria uma arma que poderia facilitar esta tarefa. Designada FX-1400 (popularmente Fritz X) e denominada pela empresa que a desenvolveu como X-1, consistia de uma bomba PC-1400, de 1.400 kg, onde se montavam quatro asas assimétricas a meia altura e um elaborado anel de cauda com diversos spoilers e superfícies de controle, onde também ficava alojado o receptor. Uma vez lançada o operador podia mantê-la na rota prevista enviando sinais de rádio que atuavam nas partes móveis da bomba, corrigindo possíveis desvios na queda livre. Quando lançada de uma altitude de 6.000m era capaz de atravessar uma blindagem de 1,3m e foi utilizada com sucesso em diversas missões, a mais famosa delas o afundamento dos encouraçados italianos Roma e Itália em setembro de 1943. Por todos os danos causados em sua vida operacional, a X-1 é considerada a mais potente arma guiada antinavio da história das guerras. Outra arma ar-superfície foi a Hs-293, utilizando-se o corpo de uma bomba SC-500 com um par de aletas montadas na parte central, uma seção traseira alongada com um par de pequenas asas simétricas com ailerons convencionais, um motor-foguete com 600kg de empuxo e três opções de orientação: via sinais de rádio, via cabo ou via câmera de televisão montada no nariz. Esta última, pelas limitações tecnológicas da época, não funcionou como o esperado e foi logo abandonada. Tal tecnologia só foi completamente compreendida duas décadas depois, quando os americanos desenvolveram o eficiente míssil AGM-65 Maverick, que utiliza guiamento por TV. Normalmente era lançada entre 400 e 2.000m de altitude e entre 4 e 18 km do objetivo, sendo que sua velocidade final variava entre 435 e 900 km/h dependendo da altitude que havia sido lançada. Em paralelo aos programas de desenvolvimento de mísseis ar-ar e ar-superfície, os cientistas alemães se esforçavam para criar eficientes armas guiadas superfície-ar, embora as primeiras unidades operacionais só tivessem entrado em serviço em meados de 1945, quando a guerra já estava em seu final. Uma delas foi o Enzian, desenhada pela equipe do engenheiro Hermann Wurster, da renomada fabricante de aeronaves Messerschmitt, e era basicamente uma versão não tripulada do avião-foguete Me163 Komet, aproveitando-se a mesma fuselagem arredondada com barbatanas ventrais e dorsais na cauda e adicionando-se uma ogiva de 300 kg. Com 2,4m de comprimento e impulsionado por um motor-foguete de sustentação Walter R1-210B, foi concebido para atingir alvos voando a até 12.000m de altitude e a até 24 km de distância. Foram construídos cerca de 60 mísseis Enzian, porém foi prejudicado pela deteriorização da capacidade produtiva da Alemanha por volta de 1944-45.
O Rheintochter I
foi uma criação notável para aqueles tempos, com
quatro aletas de controle totalmente móveis no nariz controladas
via sinais de rádio, seis asas fixas na seção do
meio (como nos modernos mísseis) com um motor de 4.000 kg de
empuxo com pequenas saídas entre estes pares de asas, quatro
grandes aletas assimétricas na cauda e um grande motor para ajudar
no lançamento com 75.000 kg de empuxo, que poderia levá-lo
a atingir velocidades de quase 1.300 km/h e alvos a cerca de 40 km de
distância, a uma altitude máxima de 6.000m. Mesmo sem ter
sido provado em combate, o Rheintochter I deixou um rico legado
para as futuras gerações de mísseis. Embora Wernher
von Braun trabalhasse para o exército alemão, foi ordenado
à sua equipe em Peenemünde que desenvolvesse um míssil
antiaéreo para a Luftwaffe. A maior parte do trabalho necessário
já estava pronta no desenvolvimento do foguete de longo alcance
A-4 e a principal diferença entre ele o Wasserfall
(como este míssil ficou conhecido) ao qual deu origem, era o
tipo de combustível utilizado no sistema de propulsão.
Tinha metade do comprimento do A-4, cerca de 7,8m, pesava 3.500
kg, mas ainda assim era o maior de todos os mísseis superfície-ar
alemães. Carregava uma ogiva de 235 kg e seu desenho era bastante
similar ao bem maior A-4, mas ao contrário deste, possuía
quatro aletas estabilizadoras na parte onde o nariz se junta a parte
central da fuselagem. Foi concebido para operar a maiores distâncias
e altitudes do que os outros SAM. Seu motor fornecia 8.000
kg de empuxo por 40 segundos, suficiente para levá-lo a um alcance
de 50 km e a uma altitude de 20.000m. Seu sistema de orientação
era manual e baseado no solo, e as correções de rota necessárias
eram transmitidas ao foguete por sinais de rádio, mas por ser
lançado verticalmente ele também era equipado com o sistema
de navegação inercial do A-4. Acredita-se que
tenham sido realizados cerca de 35 testes de lançamento e a produção
em série estaria a cargo da maior fábrica subterrânea,
em Bleichrode, que nem chegou a ser construída devido ao fim
da Segunda Guerra em maio de 1945. Fotos dos principais mísseis alemães na Segunda Guerra. Clique aqui |
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