Mísseis Scud: localizar e destruir

Como equipes Delta e SAS se infiltraram atrás das linhas inimigas
para neutralizar os mísseis Scud iraquianos, na Guerra do Golfo em 1991.


Comandos da Força Delta em missão para localizar os Scud na Guerra do Golfo Durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988), Saddam Hussein lançou cerca de 350 mísseis balísticos contra o Irã. Esses ataques incluíram um grande número de mísseis de estágio único R-17 de um estoque de 650 comprados da União Soviética. O R-17, como originalmente projetado, tinha alcance máximo de 300 km e era capaz de transportar uma ogiva convencional de 900 kg ou nuclear de 100 kilotons. Com o tempo, porém, os engenheiros iraquianos foram obrigados a desenvolver uma arma capaz de penetrar mais fundo no território iraniano. Para este fim, usaram peças canibalizadas de outros R-17 para criar três híbridos de longo alcance, únicos para os militares iraquianos: um Scud de longo alcance, o al-Hussein (600-650 km) e o Abbas (750-900 km). A maioria das alterações foi feita através de uma redução no peso da ogiva e um aumento correspondente na carga de combustível. Basicamente o al-Hussein era um Scud B modificado, com uma ogiva de 150 kg. Saddam também conseguiu adquirir 36 veículos de lançamento móveis TEL (Transporter Erector Launcher) baseados no chassi sobre rodas MAZ543 8×8, originalmente desenvolvido em 1965 para o exército soviético. Os TEL tinham uma autonomia de 550 km, uma velocidade superior de 70 km/h, e filtragem de ar de cabine para uso em um ambiente NBC. Destes, apenas o Al-Abbas não poderia ser lançado por este sistema. No entanto, essas sucessivas modificações iraquianas, ao mesmo tempo em que proporcionam maior alcance, reduziram drasticamente a integridade estrutural do míssil e sua precisão notoriamente baixa (CEP-Circular Error Probable de 1 km). Apesar dessas grandes desvantagens, ele serviu particularmente a um propósito: quando lançado em qualquer número contra áreas urbanas densamente povoadas, o Scud era uma arma terrorista eficaz. Este uso secundário não foi desperdiçado por Saddam, quando do início da Guerra do Golfo, provocada pela sua ordem de invadir o Kuwait. Em 18 de janeiro de 1991, sete Scud atingiram as cidades israelenses de Haifa e Tel Aviv, destruindo 1.587 apartamentos e causando quase cinquenta baixas civis. Ataques semelhantes seguiram-se nos próximos dias. Esses ataques terroristas causaram a resposta desejada. Israel imediatamente ordenou a prontidão de suas aeronaves para atacar alvos iraquianos. Mais tarde, eles lançaram um míssil com capacidade nuclear no Mar Mediterrâneo para demonstrar claramente ao Iraque uma das possíveis respostas a novos ataques com os Scud. Apenas uma rápida intervenção dos EUA e o envio imediato de baterias de mísseis Patriot para Tel Aviv evitaram uma catástrofe.

A intenção de Hussein era clara: dividir a Coalizão levando Israel a atacar e, assim, tornar-se um participante ativo na guerra. Parecia haver pouca dúvida de que, no mínimo, essa ação faria com que a Síria, o Egito e outros abandonassem a Coalizão. Na pior das hipóteses, os países árabes ficariam do lado do Iraque e provocar uma guerra total no Oriente Médio. Por essa razão, a destruição de Scud tornou-se a principal prioridade dos planejadores de guerra aliados. O foco principal da missão era a localização e destruição dos locais de lançamento fixos dos Scud. Em agosto de 1990, o Departamento de Defesa havia descoberto cinco desses locais, com 28 lançadores, utilizando-se de aeronaves de reconhecimento U-2R, de vigilância terrestre Boeing E-8 JSTARS e as imagens de satélite, mas essas ferramentas mostraram-se insuficientes no monitoramento dos lançadores móveis. Estes se movimentavam apenas de noite, aproveitando-se das características do terreno como cobertura, e durante o dia os TEL escondiam-se debaixo de viadutos ou dentro de grandes tubulações. Assim, a decisão tomada foi a de enviar forças de operações especiais para caçar os Scud no solo. O Destacamento Operacional das Forças Especiais do Exército dos EUA (SFOD-D), mais conhecido como Força Delta, e o Serviço Aéreo Especial Britânico (SAS - Special Air Service) foram selecionados para realizar o que se tornaria uma das maiores operações contraterroristas da história. O alto oficial britânico no Golfo, o tenente-general Sir Peter de la Billière, foi o primeiro a convencer o general norte-americano Norman Schwarzkopf, cético quanto ao uso de forças de operações especiais, que as equipes do SAS poderiam ser inseridas atrás das linhas inimigas para conduzir ações de sabotagem contra o inimigo. Para surpresa de alguns, esta sugestão foi aprovada e dois esquadrões “Sabre” (metade da força de combate do Regimento) foram mobilizados e começaram a operar em 20 de janeiro de 1991. Em 24 de janeiro, porém, a missão foi alterada para se concentrar na caça de Scud no oeste do Iraque, em uma extensa área que ia do aeródromo H-2, do sul da rodovia 10 até a fronteira com a Arábia Saudita, que ficou conhecida conhecida como "Scud Alley" ("Alameda dos Scud"). Um esquadrão Delta chegou à Arábia Saudita no início de fevereiro de 1991, como parte da Força-Tarefa Conjunta de Operações Especiais (JSOTF). Após um período de planejamento intenso, as equipes se infiltraram no oeste do Iraque utilizando helicópteros MH-60 Black Hawk e MH-47E Chinook do 160º Regimento de Aviação de Operações Especiais (SOAR). O elemento norte-americano foi designado para caçar os mísseis na área noroeste da rodovia 10 perto de Al Qaim, conhecida como “Scud Boulevard”.

Míssil Scud em um veículo lançador (TEL) A principal missão, tanto para o SAS quanto para a Delta, era localizar e designar alvos para destruição por meio de aeronaves de ataque da Coalizão. Para tanto, as equipes se movimentavam durante a noite, se escondendo durante o dia. Em períodos de escuridão ou para alvos obscurecidos por camuflagem, as equipes itinerantes carregavam designadores de alvos a laser. Ao usá-los, uma aeronave poderia empregar bombas guiadas a laser ou mísseis orientados pelo feixe emitido. Os alvos que localizados durante o dia eram visualmente monitorados por operadores no solo que então dirigiam as aeronaves de ataque até aqueles objetivos. Os comandos foram capazes de fornecer informações sobre os movimentos do veículo inimigo, no entanto, no período em que a Inteligência analisava os dados recebidos, muitas vezes os lançadores móveis tinham deixado o seu esconderijo e se mudado para outro local. Além de sua tarefa de designar alvos para a aviação, a Delta realizou outras missões de ação direta contra os Scud. Estas incluíam o uso de fuzis anti-material de longo alcance, com calibre .50, para inutilizar ou destruir os mísseis, tanto os lançados de posições fixas quanto os montados em seus TEL. Outras intervenções envolveram a eliminação das equipes de operação dos Scud, bem como o uso de mísseis anti-tanque AT4 em alvos maiores. Um dos elementos mais interessantes da operação foi o grupo baseado no posto avançado de Al Jouf, a cerca de 240 quilômetros ao sul da fronteira iraquiana. Esta era uma equipe verdadeiramente "conjunta" composta de pessoal do SAS, juntamente com aeronaves A-10 Thunderbolt e helicópteros MH-53J Pave Low. Essas equipes britânicas logo desenvolveram um relacionamento próximo com as tripulações da USAF, já que os Pave Lows forneceram a inserção atrás das linhas inimigas e os A-10 foram, muitas vezes, a primeira aeronave a responder aos relatos de avistamentos de TEL. Deve-se mencionar que outras unidades do SAS também foram transportadas em sua própria versão do CH-47 Chinook da Royal Air Force (RAF). Uma equipe SAS de 30 homens, supostamente enviada de Al Jouf, atacou com sucesso um centro de comando e controle Scud, apesar da presença de cerca de 300 militares iraquianos. A Delta e o SAS adaptaram-se ao terreno difícil, fazendo uso efetivo de veículos leves durante suas operações, em vez de patrulhar a pé. A Delta operou o Fast Attack Vehicle (FAV) enquanto o SAS pilotava duas versões, o Longline Light Strike Vehicle (LSV) e uma versão atualizada do Land Rover “Pink Panther” de longo alcance. Ambos os veículos foram projetados para transportar cargas pesadas, incluindo dois ou três soldados totalmente equipados, comida, água, munição, combustível extra e uma grande variedade de armas.

Não demorou muito, no entanto, antes que uma grande falha nas operações de caça ao Scud se tornasse aparente: por falhas de comunicação entre os comandos e a Inteligência, os tempos de resposta atingiram em média 60 minutos inaceitáveis, durante os quais alguns alvos conseguiram escapar ilesos. O sistema C3I, que se mostrou tão eficaz para o planejamento antecipado de ataques aéreos convencionais, mostrou-se insuficiente para incorporar informações em tempo real enviadas pelos soldados. A fim de facilitar as comunicações entre as equipes de terra e o poder aéreo da Coalizão, o SAS solicitou e foi aprovada a colocação de oficiais de ligação no Centro Tático de Controle Aéreo (TACC) em Riad. Como resultado, foram feitas melhorias que permitiram uma comunicação mais direta. Isso foi reforçado pela prática de manter as aeronaves de ataque constantemente no ar, prontas para responder imediatamente quando um alvo adequado era localizado. Aeronaves da Coalizão também foram alertadas sobre a presença de forças especiais aliadas operando no oeste do Iraque, em um esforço para evitar qualquer tipo de “fogo amigo”. Estas missões não foram sem perda para os caçadores. Um equipe Delta estava conduzindo uma operação quando um de seus membros foi ferido em uma queda de um penhasco e exigiu Medevac, imediatamente respondida pelo pessoal do 160º SOAR. Aproximadamente às 03:00 do dia 21 de fevereiro, quatro pilotos e tripulantes e três operadores da Delta foram mortos quando um helicóptero MH-60 Black Hawk caiu em uma duna de areia durante condições climáticas de visibilidade zero perto do aeroporto de Ar Ar. Da mesma forma, uma equipe SAS de oito homens foi comprometida durante uma missão de reconhecimento. Quatro de seus homens morreram durante a evasão depois que foram surpreendidos por patrulhas iraquianas. Comandos de ambos os grupos também foram feridos em combates com as forças iraquianas em várias outras ocasiões. O resultado final da operação de caça aos Scud baseados em terra, sob uma perspectiva militar, ainda é uma questão controversa. Não há dúvida de que as aeronaves da Coalizão atacaram um número de chamarizes e outros alvos que somente a análise pós-ação revelou não eram TEL transportando Scud. No final da guerra, a UNSCOM encontrou 62 mísseis al-Hussein completos, seis TEL MAZ-543 e quatro outros tipos de TEL, juntamente com partes de outros 88 mísseis e nove TEL. Os iraquianos também eram suspeitos de esconder outros mísseis das equipes de inspeção da ONU. Quatorze dos 28 sites fixos também foram destruídos. De uma perspectiva política, no entanto, a caça aos Scud foi um sucesso absoluto e pode ter fornecido uma das maiores, e menos conhecidas, contribuições para a vitória das forças da Coalizão na Guerra do Golfo.





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