Foi com grande surpresa que recebemos no dia 18 de dezembro a notícia
a tanto esperada. Depois de 15 anos, vários adiamentos, muitas
idas e vindas, alteração de concorrentes e avaliações
intermináveis, a Presidente Dilma Rousseff anunciou o vencedor
da concorrência para escolha do novo caça da Força
Aérea Brasileira: o Gripen
NG, fabricado pela sueca Saab. Nós já havíamos
publicado nesta mesma seção quatro artigos sobre o Programa
FX e em todos demonstrávamos um certo ceticismo de que uma
decisão rápida fosse tomada. Portanto, a nossa surpresa
não foi pela aeronave escolhida, mas pelo momento inusitado, quando
todos já davam como certa que a decisão sobre o Programa
FX-2 ficaria para o próximo presidente a ser eleito em 2014. Eu
particularmente acreditava que a licitação seria mais uma
vez cancelada e que a FAB seria obrigada a comprar caças de segunda
mão como solução definitiva, tamanho era o desinteresse
e a falta de visão geopolítica do governo sobre o assunto.
Mas parece que o espírito natalino baixou na Presidente e num momento
de lucidez, quando os Mirage 2000 faziam seu voo derradeiro sobre o Planalto
Central, deixando fragilizada a defesa de nosso espaço aéreo,
ela resolveu entregar o presente que a FAB há muito ansiava. A
escolha do Gripen NG suscitou muitos debates nos meios de comunicação,
alguns elogiando e outros criticando, mas em sua maioria jornalistas sem
o conhecimento específico sobre aviação ou até
mesmo defendendo interesses escusos daqueles que saíram derrotados
na licitação. Nos últimos meses os concorrentes franceses
e americanos perderam espaço devido às peripécias
políticas de seus governos, que desagradaram a diplomacia brasileira
e feriram a nossa soberania. No caso da França, foram as intervenções
bélicas na Líbia e no Mali, além da discordâncias
com o Brasil em assuntos importantes como o controle de produção
de urânio pelo Irã e a nomeação de um brasileiro
como diretor da OMC. No lado dos Estados Unidos pesaram as denúncias
de espionagem da NSA sobre nossas principais autoridades, incluindo a
Presidente. Essas situações abalaram as relações
diplomáticas com estes países, tornando impraticável
uma escolha de qualquer aeronave produzida por eles.
A discussão talvez não seja se o Gripen NG é melhor
do que seus concorrentes, o francês Rafale
e o americano F-18E Hornet,
mas se é o caça ideal para as nossas necessidades. Embora
em termos técnicos não deva nada a eles: velocidade final,
carga bélica, raio de ação, manobrabilidade, radar
AESA, relação peso-potência, furtividade e leque de
armas integradas, são equivalentes nos três caças
em questão. Os pontos que pesaram a favor do Gripen NG foram: menor
custo de aquisição, baixo custo de manutenção
ao longo de seu ciclo de vida operacional, a capacidade de operar em pistas
curtas ou rodovias com pequena logística, custo da hora voada (US$
4.000) bem abaixo dos demais, a garantia de transferência das tecnologias
críticas da aeronave (como a abertura dos códigos-fonte
que permitirão a integração de quaisquer armas do
arsenal da FAB), e principalmente a participação do país
no desenvolvimento e na fabricação do Gripen NG, através
de diversas empresas nacionais, como a Embraer, AEL Eletrônica,
Akaer, entre muitas outras. O custo estimado é de US$ 4,5 bilhões,
onde estão contabilizados não só o valor das aeronaves
(cerca de US$ 70 milhões/unidade) mas também despesas de
suporte técnico, estoque de peças, 15 turbinas extras, treinamento
e sobretudo os custos de transferência de tecnologias sensíveis.
Um ponto importante a ser ressaltado é que o financiamento proposto
permitirá ao país iniciar o pagamento das aeronaves somente
quando a última unidade for entregue à FAB em 2023. Portanto
não haverá desembolsos nos próximos 9 anos, aliviando
os orçamentos da Força Aérea e da União. Devo
admitir que fiquei muito satisfeito com a decisão final, pois independentemente
de qualquer questão técnica, operacional ou política,
para mim é melhor ter o Gripen NG nas cores da FAB do que não
ter nada. Imaginem que os últimos caças novos de fábrica
adquiridos pelo Brasil foram em 1972. São mais de 40 anos sem um
equipamento de boa qualidade. De que adiantariam dezenas de Rafales, Hornets,
Sukhois ou Typhoons presos ao solo por falta de peças de reposição,
escassos recursos para combustível ou sujeitos a embargos dos países
fabricantes.
O Gripen NG é um caça de linhas elegantes, multifunção,
com avançados aviônicos, radar AESA de última geração
e capaz de carregar armamentos de diversas origens, que com certeza cumprirá
suas missões eficientemente, atendendo a todos os requisitos estabelecidos
pela FAB. Numa época de poucos recursos para a Defesa é,
sem dúvidas, o caça com melhor custo-benefício. Apesar
de ser muito semelhante ao JAS-39
Gripen C/D que lhe deu origem, o Gripen NG (Next Generation
ou próxima geração) tem 3.500 novos componentes.
A modificação externa mais importante e visível foi
o reposicionamento do trem de pouso principal, que libera espaço
interno na fuselagem para novos tanques de combustível que ampliaram
a capacidade para cerca de 4.200 litros, 40% maior que a de seu antecessor,
o que aumentou sua autonomia e raio de ação, com maior carga
bélica. Esta mudança permitiu ainda a inclusão de
dois novos pontos duros sob a fuselagem, aumentando os pontos para armamentos
de 8 para 10 no total. O Gripen NG será dotado ainda de uma nova
turbina, a General Eletric F414G com 98 KN de empuxo, bem mais econômica,
que proporcionarão 25% a mais de potência e permitirá
manter velocidade supersônica em todas as fases do voo sem o uso
de pós-combustão. Será equipado com o novo radar
AESA ES-05 Raven, com alcance estimado de 120 km e tem em seus três
modos de operação a capacidade de rastreamento e de engajamento
de alvos múltiplos, contando também com o modo SAR (Synthetic
Aperture Radar) que possibilitará o mapeamento em alta resolução
do terreno sobrevoado. Um diferencial interessante é que o Gripen
NG poderá compartilhar em tempo real com as outras aeronaves da
missão (caças e aeronaves AEW&C) as informações
obtidas por seu radar ou pelo sensor IRST, através de um link seguro,
que aumenta a consciência situacional de todos os pilotos envolvidos.
Muitas novas tecnologias ainda serão incorporadas ao Gripen NG
até sua entrada em operação, prevista para 2018,
aumentando ainda mais suas capacidades na moderna arena de combate.
A possibilidade da indústria nacional de participar de seu desenvolvimento,
com total transferência de tecnologia, além de garantir a
sua plena operacionalidade ao longo de 30 ou 40 anos de uso, abre uma
boa perspectiva de que a longo prazo venhamos a projetar e construir um
caça genuinamente brasileiro. A política de offset
adotada beneficiará inúmeras empresas, tanto no setor de
defesa quanto na área civil. Vislumbra-se a exportação
de Gripens "made in Brazil" para países da
América Latina, África e Ásia, não sendo nenhuma
presunção imaginar que a escolha brasileira possa vir a
influenciar países como Argentina, Colômbia ou México
a optarem pelo mesmo tipo de equipamento em programas de modernização
de suas Forças Aéreas. Para que tudo que foi dito acima
se concretize ainda há um longo caminho de negociações
de contratos pela frente, um período previsto de 7 a 10 meses,
onde todos os itens propostos pela Saab e pelo governo sueco serão
colocados no papel. Somente a partir de então se iniciará
o processo de produção da versão definitiva do Gripen
NG (futuramente denominado Gripen E ou Gripen BR), para permitir a entrega
da primeira aeronave à FAB em 2018, com cronograma para as 36 unidades
extendendo-se até 2023, com boa parte deles fabricados no país
pela Embraer. Para cobrir este gap no cumprimento das missões
atribuídas ao 1º GDA, em Anápolis(GO), e ainda facilitar
a transição de nossos pilotos para o novo caça, estuda-se
junto ao governo sueco a possibilidade de arrendamento de 6 a 12 unidades
do Gripen C, provenientes dos estoques da Força Aérea sueca.
A intenção é de no médio prazo padronizar
a frota de caças da
FAB e para isto seriam adquiridos mais unidades do Gripen NG para
substituírem os F-5EM e os AMX A-1, o que poderia significar algo
em torno de 120 a 160 aeronaves. Como se pode observar as perspectivas
para nossa indústria aeronáutica e para o futuro de nossa
aviação de caça são as melhores possíveis
e fica aqui a nossa expectativa para que desta vez tudo corra dentro do
previsto, sem maiores sobressaltos ou reviravoltas inesperadas, para que
logo possamos ver os primeiros Gripens com as cores da FAB cortando os
céus de norte a sul e possamos enfim afirmar: o Gripen é
o caça do Brasil.
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